O uso de Anestésicos Locais em gestantes, como proceder?

Oi gente!


Eu acabo de passar pela cadeira de Farmacologia e admito que fiquei completamente apaixonada pela matéria. Tão apaixonada que me enchi de livros, palestras e artigos sobre os milhões de assuntos que ela aborda e até relevei o fato de ter tido um daqueles Professores um tanto quanto carrascos, mas que no fundo só querem o nosso bem
Mês passado assisti a uma palestra incrível, que falava exatamente sobre o uso dos Anestésicos em pacientes especiais (hipertensos, diabéticos, cardiopatas, gestantes, deficientes físicos e mentais e etc.). Em uma das abordagens da palestra, veio o polêmico assunto sobre o uso de Anestésicos Locais em Gestantes. Devo confessar que fiquei receosa em falar sobre isso, afinal, sou só uma acadêmica, mas diante de tantos artigos, livros e monografias consultados, achei interessante debatermos sobre o caso.
Sabemos que pacientes gestantes são acometidas mais facilmente por doenças bucais, como a periodontite, haja vista que enjoos e vômitos, reações físicas muito comuns no início da gravidez, podem provocar erosões ácidas ou descalcificações nas superfícies dos dentes da gestante, acelerando o desenvolvimento dessa patologia. 
Outro fator em questão é o impulso por alimentos potencialmente cariogênicos, como os doces. Além do mais, alterações hormonais podem acarretar em sensibilidade, dor e sangramento na gengiva, denominada gengivite gravídica, facilmente evoluindo para um quadro de periodontite. 

Estudos mostram que esses focos de infecção podem aumentar as chances de um parto prematuro, sendo então um FATOR DE RISCO na gravidez, portanto, o acompanhamento odontológico nessas pacientes é indispensável. É sabido que os Anestésicos Locais são as drogas mais comuns usadas em Odontologia e a forma mais eficiente de controle da dor para pacientes que recebem tratamento dental. Daí você me pergunta: 
Mas existe alguma contra-indicação ao uso desses anestésicos nessas pacientes? 
Sim, meus caros. 

Antes de falarmos do que interessa, é importante apresentar para aqueles que ainda não tiveram a cadeira, ou relembrar para aqueles que já a tiveram, os principais anestésicos usados em Odontologia. São eles:
 
Lidocaína
A lidocaína é considerada o anestésico padrão em Odontologia, com o qual todos os outros anestésicos são comparados. Inicia sua ação por volta de 2 a 3 minutos e tem eficácia em uma concentração de 2%. Sua dose máxima recomendada é de 7,0mg/Kg em adultos, não excedendo 500mg ou 13 tubetes anestésicos. É encontrada comercialmente nas concentrações de 1% e 2%, com ou sem vasoconstritor. Para aplicação tópica sua concentração pode ser de 5%.

*Prilocaína
Apresenta uma potência e toxicidade duas vezes maior que a lidocaína e um início de ação mais retardado, por volta de 2 a 4 minutos. A dose máxima recomendada é de 6,0 mg/kg, não excedendo 400mg ou 7 tubetes anestésicos na concentração de 4%, no paciente adulto. A concentração odontológica eficaz é de 4%. Esse anestésico não apresenta formulação tópica.  Oferece pouco tempo de anestesia pulpar, enquanto o bloqueio regional fornece uma anestesia pulpar de até 60 minutos. Comercialmente, só é encontrado na concentração 3% e tendo a felipressina como vasoconstritor. Formulações genéricas podem ser encontradas na concentração de 4%, sendo estas as que provêm melhores resultados.

*Mepivacaína
É amplamente utilizada no campo odontológico, sendo classificada como um anestésico de duração intermediária. Apresenta potência e toxicidade duas vezes maior que a lidocaína, tendo o seu início da ação por volta de 1 ½ a 2 minutos. A dose máxima é de 6,6 mg/kg, não devendo ultrapassar 400mg ou 11 tubetes anestésicos. A concentração odontológica eficaz é de 2% (com vasoconstritor) e de 3% (sem vasoconstritor). Uma de suas vantagens é que esta substância consegue ter um tempo maior de anestesia do que os outros anestésicos sem o uso do vasoconstritor.

*Cloridrato de Bupivacaína
No Brasil, dentre os anestésicos de longa duração, somente o cloridrato de bupivacaína está disponível comercialmente. Apresenta potência quatro vezes maior que a lidocaína e uma toxicidade quatro vezes menor. Inicia sua ação por volta de 6 a 10 minutos. Apresenta uma dose máxima recomendada de 1,3mg/kg, não devendo ultrapassar 90mg ou 10 tubetes. Quanto ao tempo de duração, a anestesia mandibular pode persistir de 5 a 9 horas. Os estudos sobre sua toxicidade mostram que ocorrem devido à superdosagem ou por injeção acidental do anestésico nos vasos sanguíneos, não sendo essas reações diferentes das que ocorrem com os outros anestésicos locais. Em tubetes anestésicos é encontrado na concentração de 0,5%, porém em ampolas de 20mL podem ser encontrados nas concentrações de 0,25%, 0,50% e 0,75% (com ou sem vasoconstritor). É o anestésico mais utilizado em recintos hospitalares.

*Articaína
A articaína foi aprovada para uso nos Estados Unidos em abril de 2000, tendo como nome comercial Steptocaine 4% com 1:100.000 de epinefrina (vasoconstritor). Sua dose máxima recomendada é de 6,6mg/kg, não ultrapassando 500mg ou 6 tubetes.

Mas qual seria a função do vasoconstritor nos anestésicos?

Quase nenhuma solução anestésica teria efeito sem o emprego dos vasoconstritores, tendo como principal vantagem a absorção lenta do sal anestésico, que reduz a toxicidade deste, aumenta a duração da anestesia, possibilita o uso de quantidades menores de solução, além de aumentar o efeito anestésico. 

As substâncias vasoconstritoras podem pertencer a dois grupos farmacológicos:
aminas simpatomiméticas e análogos da vasopressina.
As mais comuns são:
Adrenalina/epinefrina; 
Noradrenalina/noraepinefrina;
Fenilefrina, 
Octapressin/ felipressina.

Normalmente, os vasoconstritores associados aos anestésicos locais não produzem efeitos farmacológicos, além da constrição arteriolar localizada. Uma das maiores polêmicas que existe em relação aos vasoconstritores, é o de usá-los ou não em Pacientes especiais, como os já citados antes. Na verdade, o cuidado com uso de Anestésico local nesses pacientes vai além da presença ou não de vasoconstritor. Outros aspectos devem ser observados, dentre eles: técnica anestésica, quantidade da droga administrada e os efeitos citotóxicos. 

No caso de pacientes gestantes, o anestésico local pode afetar o feto de duas maneiras: diretamente (quando ocorrem altas concentrações na circulação fetal) e indiretamente (alterando o tônus muscular uterino ou deprimindo os sistemas cardiovascular e respiratório da mãe).

        A lidocaína é o anestésico mais apropriado para as gestantes, segundo a literatura pesquisada, não ultrapassando dois tubetes a 2% por consulta e sempre aplicado lentamente, tendo A CERTEZA ABSOLUTA da sua aplicação extra-vascular, evitando assim o risco de reações adversas e toxicidade para a mãe e o feto. 

        A Prilocaína e a Articaína NÃO DEVEM SER USADAS por poderem levar à metahemoglobinemia (uma doença causada pela excessiva presença de metahemoglobina no sangue, uma forma de hemoglobina que não se liga ao oxigênio, causando anemia funcional e hipoxia em tecido), tanto na mãe quanto no feto. 

        A bupivacaína seria o agente anestésico mais seguro para o uso em gestantes. Entretanto, sua longa duração de ação anestésica (6 a 7 horas, em média) e seu efeito tóxico para o fígado, limitam seu emprego em pacientes grávidas. 

Em relação à mepivacaína, mais pesquisas devem ser realizadas já que seus riscos para o feto não são bem detalhados, portanto, seu uso é desaconselhado.

Quanto ao uso dos vasoconstritores em gestantes, quando os benefícios superarem os riscos, os mesmos devem ser utilizados. Como já explicado, sem vasoconstritor o anestésico pode não ser eficaz, além de seu efeito passar mais rapidamente. A dor resultante pode levar a paciente ao estresse, fazendo com que haja liberação de adrenalina em quantidades muito superiores àquelas contidas em tubetes anestésicos e, consequentemente, mais prejudiciais. Porém, já é de conhecimento científico que a felipressina DEVE SER EVITADA por ser derivada da vasopressina, que possui uma semelhança estrutural à Ocitocina, logo, tem capacidade de levar à contração uterina, embora a dose necessária para que isso ocorra seja muito maior que a utilizada no protocolo odontológico.

     Noradrenalina na concentração 1:25.000 e 1:30.000 NÃO devem ser usadas, tendo em vista o grande número de complicações cardiovasculares e neurológicos causados por essa substância, sendo a concentração 1:50.000 a mais indicada.

É importante, também, levar em consideração a época de atendimento (evitar o 1° e o último trimestre de gravidez), os horários e a duração das consultas. As seções de atendimento clínico devem ser curtas e agendadas preferencialmente para a segunda metade do período da manhã, quando os sintomas de enjoos são menos frequentes. 

O que é inadmissível é não tratar doenças provenientes da cavidade oral em grávidas, por conta do estado a qual se encontram. Em condições clínicas críticas um atendimento interprofissional entre Cirurgião-Dentista e Obstetra é o mais recomendado.
Espero que tenham gostado, estou a espera dos comentários, dúvidas, reclamações e elogios (hehehe).



Lays Azulay, estudante de Odontologia da Universidade Ceuma, São Luís- MA

2 comentários:

  • Flávio Durand says:
    2 de agosto de 2012 às 13:14

    Parabéns à Lays e ao blog pelos excelentes posts sobre assuntos um tanto 'complicados'. Sou estudante de Enfermagem, e na cadeira de Farmaco não estudamos o uso de medicações na odonto, e foi muito interessante e proveitoso tomar esse tipo de conhecimento! Um abraço!

  • A respeito Dela says:
    14 de setembro de 2012 às 10:56

    Interessante... Principalmente pelo fato de também estar pagando essa cadeira (também me interessei bastante por ela). Foi de grande ajuda pra clarear a cabeça. Obrigado pelo post =] Abraços da ASCES-PE.

Facebook